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HÁBITO OU VÍCIO?

Adão e Eva obrigaram o mundo a dividir a maçã do amor em disciplinados e não-disciplinados.
Os disciplinados necessitam ser workaholic na vida em família, como trabalhadores compulsivos voltados para bem criar os filhos, a salvo das intempéries e más influências que rondam na pretensão de desestabilizar o equilíbrio do lar. O objetivo, marcado a ferro em brasa na testa, serve para preveni-los do perigo do descaminho. Há que se manter na linha reta. Sob tensão, pois o inimigo espreita. Condicionam-se a manter em bom funcionamento a estrutura da célula familiar. Os jovens, por exemplo, não querem largar a casa dos pais, por temerem a violência e o desemprego; são favoráveis ao exame antidoping na escola . O bem-estar alcançado não pode, em hipótese alguma, ser arranhado por más companhias, quizumbas e desconcentração no futuro. Caso contrário, a cizânia se instala; exige-se vigilância para que o mal maior não sobrevenha e rompa com a harmonia.
A vigilância resulta num vício atrelado à perduração da felicidade desencadeando mecanismos de controle que estimulam a paranóia na razão direta de se proteger. Uma boa desculpa é a segurança, outrora a saúde, no futuro, a criança se tornar adulta antes do tempo. A brincadeira virar a sério. A menstruação se antecipar. As gincanas se transformarem em testes de inteligência, a finalidade é descobrir gênios. Os esportes deixarem de ser lazer e porem em risco a vida. O computador substituir a hora do recreio. Arrisquem largar um simples hábito para imaginar como é difícil, quando não impossível, abandonar um vício.
O universo dos indisciplinados não é uno e coeso, já que a anarquia prepondera. Pinçados ao léu: drogados, cujo vício os dirige ao inferno psicodélico de Dante; alcoólatras, mergulhados num poço sem fundo; tabagistas, rumo ao câncer no pulmão em alta velocidade. Que diferença faz se a morte nas drogas chega mais rápido e no fumo mais lento, se o ser humano se consome na insatisfação com sua perspectiva de vida no século XXI, onde a morte vem sendo banalizada? As drogas apenas aceleram o final desse filme trash. Bons os tempos de inocência, um cigarrinho agora caía bem, inofensivos os mata-ratos que se transformaram em cigarros de filtro. Duas doses de uísque ao chegar do trabalho não fazem mal a ninguém, acalma o espírito, não passa disso.
Quem garante? Parece promessa do noivo pra noiva na época do tabu da virgindade, mal suportando esperar a hora dela chegar. O mundo se dividia, então, entre os que tinham ido para a cama com alguém e os abstêmios, uma verdadeira guerra fria que dependia da coragem em ultrapassar essa fronteira para fundir as emoções de dois universos antagônicos: a mulher ser obrigada a ter uma vida pura e o homem um salvo-conduto para uma vida dupla. Eles, verdadeiros professores, a ensinar na prática o que elas poderiam fazer com outros se não implicasse em sacrilégio no casamento.
Mas se o casar correspondia a uma lavagem cerebral de cozinhar, lavar e limpar, se os homens não as sentiam, não sabiam estabelecer a diferença, e o clima de lua-de-mel, um Xanadu distante. Deu no que deu, desorganizou-se a família, a prevalência no ato da conquista ao Deus dará e ela o imobilizou ao ficar por cima – virou luta livre. Antes que o caos se instalasse, uma reunião do condomínio se esfalfou para pôr panos quentes na disputa. Em nome dos filhos e do espírito santo. Interrompendo o confronto e arrancando a paz a fórceps. O nome da família falou mais alto, uma acomodação geológica. O que não impediu os descendentes desse legado de reorganizarem-se em caretas – estabelecem os limites necessários para a convivência – e viciados em papo-cabeça – os transgressores da regra -, afinal, a divergência faz parte da evolução.
Como não há registro de cultura que não tenha sacado do nada a cerveja, descoberto um chá e da folha enrolar um charuto, em comemoração a um triunfo retumbante ou como sintoma de decadência, o vício levou a melhor. Os caretas em regime de prontidão, os indisciplinados a virar o mundo pelo avesso, o gato e o rato, uma simbiose perfeita.
Hábito ou vício?

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Antonio Carlos Gaio
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