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LARGUEM DO MEU PÉ

Por que ao se sentar numa sala de cinema relativamente vazia, automaticamente você aciona um imã que irá atrair carentes que não agüentam se refestelar em poltronas solitárias? Disparando simultaneamente sons distintos de caixas de balinhas Tic-Tac, invólucros de chocolate, pipocas em saco mole, jujubas que grudam nos dentes e transformam dedos em palitos. Ora devorados com angústia, ora manipulados com extremo cuidado, o que alonga o martírio.
O filme só começa para alguns no primeiro diálogo, facada ou tiro, o que se passa na tela antes disso não interessa, nem mesmo os trailers, pois já sabem que o que irão ver é de mentirinha. Desrespeitam o sagrado escurinho do cinema em que tantos sublimes amores brotaram de namoros inconseqüentes. E se você reclama em voz alta é estressado – nova terminologia para careta -, mergulhar na fantasia da película é alienação de caráteres sem humor.
E os sinais eletrônicos de relógios defasados em milésimos de segundos, a cada meia hora? A lembrar que o tempo passa e urge saber o que há por fazer depois desse filme que não acaba.
Sem contar a obrigação de conviver no inferno de pessoas compromissadas com o seu mundinho através do celular, nos obrigando a uma promiscuidade estéril, aborrecida, desinteressante, enfadonha, certificando que a rotina diária é mais pobre do que se pensa. Nem bem as luzes acendem, esses infelizes têm que ligar para a mãezinha a fim de que elas saibam que filme maravilhoso seu filho querido acabou de assistir. O grau de dependência a essa engenhoca cresce em progressão geométrica a ponto de não conseguir se evitar o ridículo de falar agachado para não incomodar os outros, mas quebrando o nosso tête-à-tête com o drama que se desenrola diante do respeitável público. Eles nos obrigam a compartilhar do seu big-brother medíocre em que se meteram, quando não perdem a calma e alceiam a voz nos inteirando de carências e desejos absolutamente dissonantes com o turbilhão de Julia Roberts, o cruzar de pernas de Sharon Stone e o homossexualismo do Batman.
Não vale a pena mencionar a ausência do operador na sala de projeção quando as legendas aparecem cortadas ou quando o porteiro desbloqueia a porta de saída, com discreto estrondo, interrompendo a fantasia de finais inesperados de impactantes filmes.
Tente cair na besteira de querer ler os créditos ao final do filme, quem está à sua frente não entende a importância que você dá para ler aquelas bobagens, afinal de contas o filme já terminou e o que conta é poder se espreguiçar e se livrar do chá-de-cadeira. E se você trepar na poltrona para descobrir qual é aquela música maravilhosa na trilha sonora de Woody Allen vão dizer que é louco e mal-educado.
Se você estiver num dia azarado, ao pôr os pés na calçada o chicle de bolas irá colar no seu tênis e nunca mais se livrará do mau hálito dos nerds que emporcalham a cidade e desconhecem que foram vetadas nas rodas de conversa dos petistas mais radicais, expressões consagradas como “maria-vai-com-as-outras”, “a situação está preta” e “programa de índio”, por sua suposta conotação preconceituosa contra as mulheres, os afro-descendentes e os nativos.
Qual é a fórmula mágica para conviver caretas circunspectos com a turma que despreza imersão na concentração, que só saem para se distrair e nada mais esperam do entretenimento? Se a capacidade de compreensão da turma da arte é estreita, apesar de buscar no cinema o prazer estético e reflexão. Se a multimídia e a festa rave invadem a nossa realidade caseira numa velocidade cruzeiro de consumo cultural que impossibilita ficar quieto, parado, com os olhos fixos numa mensagem que nem sempre corresponde ao barato da adrenalina. Por ser sutil, difícil de alcançar com as mãos, se agrada mas não entende, então desagrada, pouco se lixando para o mercado, pois têm que sobreviver e encontrar um espaço nessa guerra de públicos, custe o que custar, caso as eleições não vislumbrem uma saída para a coexistência civilizada.

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Antonio Carlos Gaio
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