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O DIA EM QUE MORO MANDOU PRENDER LULA

5 de abril de 2018. No dia em que o malfadado juiz Moro mandou prender Lula, lá estava eu numa van de excursões turísticas a caminho de Santiago de Compostela, etapa desperdiçada em minha encarnação ao não conseguir reproduzir a trajetória de milhões de peregrinos por conta de meu baleado joelho. Mas revendo Viana do Castelo e seu belo centro histórico, próximo às praias de Póvoa de Varzim, entretido com a busca pelas origens da família Gaio. Por volta de 1890, meu avô Manoel Jorge Gaio (o caçula) e meu tio-avô João Jorge Gaio Jr. (o primogênito) partiram da cidade do Porto para conquistar o Rio de Janeiro como empreendedores nos ramos de comestíveis e seguros, nascidos respectivamente em 8 de março de 1874 e 14 de setembro de 1867.
Pesquisava junto com minha prima, radicada no Porto faz 3 anos e bisneta de João Jorge, sem poder imaginar no que isso iria dar, mas possuído pela crença de que bons augúrios adviriam, sejam de ordem particular, familiar ou mesmo abrir a mente para alcançar novos horizontes e pôr as mãos onde antes eu não alcançava. Não fosse pela minha espiritualidade que se enraíza num ritmo avassalador.
Até que surgiu Napoleão em meio ao percurso. Levantei a questão de que as tropas portuguesas se organizavam para expulsar Napoleão de Portugal ao tempo em que Dom João VI e sua corte fugiam para o Brasil, indagando do guia em que restou a fama de Dom João VI para os portugueses, afinal: de fujão, ora pois! – ele respondeu. Ao que acrescentei a pesada guerra e reação dos espanhóis quanto à invasão napoleônica na Espanha, igualmente ocupada. Devastadora de verdade foi a resposta da Rússia, lembrei, quando os russos, sob o comando do General Inverno, expulsaram os franceses de seu território com inesperadas investidas pelos flancos, encobertos pela neve.
Neste exato momento, minha prima defendeu a tese de que Napoleão fora um gênio na estratégia de guerra. Com certeza, um argumento imperialista, que viria a ser repetido por Hitler cerca de 130 anos depois, ao ocupar a Europa. O que não surpreendeu por ser um pensamento próprio de quem se originou e deu continuidade a uma família com formação militar em toda sua extensão, obrigando-me a calar, em nome da política de boa vizinhança.
Eis que minha prima, surpreendentemente, em carta deixada na portaria de meu hotel, desiste à véspera de prosseguir a viagem a Andaluzia, acertada comigo com muita antecedência, deixando-me na mão com passagens e vouchers de hotéis e passeios já quitados. Autorizada pelas duas obras que escreveu sobre os mil anos da História de Portugal, um acadêmico, “Mil anos menos cinquenta”, e o outro em linguagem popular, “O Português que nos pariu”, ambos best sellers reconhecidos especialmente em Portugal. Percebeu uma incompatibilidade política que iria muito mais longe do que descrevi acima e do que supõe nossa vã imaginação. E então abandonou a pesquisa de nossa família ao alegar sermos de ramadas diferentes no dia em que Moro mandou prender Lula. Ou seja, cada macaco em seu galho; melhor dizendo, cada primata.
Impulsivas e passionais são as portadoras dessa genética, em sua maioria; as conheço bem e não é de hoje. A que eu intitulo de Complexo de Berenice, um dos personagens de seu livro “A tecelã de sonhos”. Por só fazerem o que lhes der na telha, sem o menor compromisso com quem quer que seja, se em nome de prezarem sua paz: a de não conviver com ninguém ou nada que as perturbe. Sem pesar as consequências inevitáveis de gestos extremados que certamente virão por sobre a cabeça do inescrupuloso juiz Moro. Por constantemente mentir, forjar provas que não existem e ser inconsistente em suas decisões, o que acabará por isolá-lo e abandoná-lo à sua própria sorte por todos que o apoiaram, depois de bem usado – chupada a laranja, o que fazer do bagaço?
Apesar do inesperado incidente ter sobremaneira abatido o meu ânimo, a viagem prosseguiu sem sua presença na tremenda mansidão e paz de espírito da região do Douro, no Norte de Portugal, conhecida pelas ricas vinícolas que produzem um dos melhores vinhos do mundo e o seu famoso vinho do Porto. Para depois me defrontar com as vastas escadarias de Lamego que nos levam para o Céu (à Sé Catedral), cidade antiquíssima dos tempos de romanos, quando igualmente nos transportamos para os tempos medievais ao percorrer Amarante.
Sevilha, dominada pelos romanos, visigodos, árabes (por 500 anos), quando o rei Fernando III, o Santo, a reconquista para os cristãos em 1248. Ao morrer, despiu-se de seu traje de rei e ajoelhou-se em vestes despojadas para devolver a Deus os reinos espanhóis sob seu poder, honra da qual não se julgava merecedor, oferecendo sua alma. Sevilha foi a metrópole das colônias americanas na descoberta da América em 1492, encarregada de controlar os assuntos do Novo Mundo. De lá saíram Cristóvão Colombo, Américo Vespúcio e Fernão Magalhães. Nela se visita o Palácio do Alcázar, obra-prima da arte moura com seus jardins espetaculares, em conjugação com salões, pátios e outros palácios ao sabor de diversos estilos acrescidos pelos reis cristãos. Percorre-se na saída o bairro judeu, que procede da Idade Média com ruas estreitas, casas brancas, pátios floridos, o bairro sevilhano mais típico e atraente em que os semitas cortaram um dobrado para sobreviver de tão perseguidos que eram, à época, pelos cristãos por conta de Judas Iscariotes, por outro lado se dando muito bem com os muçulmanos.
Lágrimas foram vertidas por mim na missa matutina da Catedral gótica de Sevilha, a terceira maior do mundo – erigida no século 12, pondo abaixo uma mesquita. Muito menos pelo opulento aparato todo em ouro e prata extraídos da colonização espanhola que viriam a orná-la posteriormente, dividida em naves apoiadas em colossais pilares, e muito mais por perceber a desconsideração e falta de respeito de minha prima para com nossos ancestrais, nunca valorizando ou sentindo realmente na pele essa tentativa de reaproximação da família através da espiritualidade.
Desde 719 sob o domínio de Califas de Damasco e transcorridos quase 100 anos de islamismo, Córdoba, durante os anos 900 a 1.200, se torna a cidade mais florescente e o centro cultural mais importante de todo o Ocidente, com uma célebre universidade, ricas bibliotecas e suntuosos edifícios, espraiando conhecimentos sobre matemática, astrologia, física, medicina, filosofia, e cultuando o pensamento de Aristóteles. Córdoba era a capital de Al-Andalus, território que se estendia até o rio Douro. A Mesquita de Córdoba representava o Poder do Islã na Península Ibérica, cuja construção iniciada nos anos 700 foi ganhando luxuosos acréscimos ao longo de séculos, fundindo várias formas arquitetônicas e propiciando-lhe um caráter deslumbrante e transcendental, até que nos anos 1.500 o rei Carlos I mandou instalar uma Catedral no centro da consagrada mesquita, para depois se arrepender, cônscio de sua desastrada intervenção. Mas que não apagou essa obra única, não só pelos materiais trabalhados, assim como pela presença de artistas e arquitetos bizantinos, cujos mosaicos extraordinariamente lindos foram utilizados na construção do mihrab (espaço sagrado em que se posiciona a pessoa que lidera as orações, cuja voz se difunde mais facilmente pela mesquita graças à existência deste nicho). Poesias escritas em árabe foram gravadas nas paredes da mesquita – o registro intacto de uma época.
Granada igualmente deve sua glória aos árabes. Quando expulsos de Córdoba, fundaram um emirado em Granada, cujo luxo e esplendor apagaram o outrora brilho de Córdoba. Um reino de mil e uma noites nos anos 1.300 e 1.400, nos quais realizaram magnificentes obras no último período de uma evolução artística que durou 500 anos, só hoje restando o magnífico Palácio de Alhambra. A combinação mágica do reflexo da luz trespassando os vitrais com as águas jorrando das fontes quase em silêncio relaxante e retratando o perfil das edificações em seu espelho. Um legado para não esquecer, a máxima expressão de refinamento estético que ficou para a posteridade.
Em janeiro de 1492, os reis católicos, Isabel de Castela e Fernando de Aragão, entram em Granada pondo fim a 781 anos de dominação muçulmana. No ano mais importante da História da Espanha por coincidir com o descobrimento da América, empurrando-os para o mar, em frente a Marrocos, deixando-os entristecidos por mirarem pela última vez uma região pela qual morriam de paixão, ouvindo de uma mulher à sua passagem: “chora como mulher o que não soubestes defender como homem”. Desde então, esse lugar passou a se chamar de Puerto de Suspiro del Moro – do apogeu ao desterro.
Como se não bastasse todo esse grande espetáculo, Ronda, a 187 km de Granada, no alto de uma meseta rochosa com penhascos assustadores que a cortam ao meio e preservam uma cidade histórica e encantadora, longe das grandes metrópoles.
Há males que vêm para o bem. À medida que ingressássemos em Andaluzia, debater-se-ia muito sobre teses outras a respeito de política, História, cultura e arte, onde não caberiam ideias hegemônicas militaristas e que poderiam causar novos dissabores. Até porque a profissão de guia é ultra respeitada na Europa e sua formação universitária bastante rigorosa e consistente, não sendo tema para amadores, afinal de contas, turismo é uma das maiores fontes de renda da comunidade europeia.
Toda essa cultura explanada ao som da música e canto flamenco refletem o ar temperamental, provocativo, desafiante, delirante, impulsivo, passional, propenso a celeumas e conflitos, para daí florescer o entendimento regado ao saboroso vinho espanhol numa esquisita mistura com tapas, mariscos, pescados, polvos e o fabuloso presunto ibérico. Sem espaço, portanto, para acomodações em posicionamentos.
Registre-se para os devidos fins o enorme e apavorante pesadelo de que eu padeci no dia em que Moro mandou prender Lula, a despeito de toda a patifaria engendrada pelo juiz Moro para incriminar Lula, quando nem uma cozinha em padrões elevados e elevador foram instalados no tríplex de Guarujá, desmascarados pela invasão do MTST que filmou tudo. Mas sobressaiu o renascimento com o sonho plenamente realizado ao entrar em contato com a pujante e brilhante epopeia da Andaluzia, vendo o mundo árabe fazendo frente às monarquias cristãs com sua força, religião, arte e cultura em nível de civilização, e não de tribos, conforme aventado por quem defende a hegemonia da civilização ocidental.
Ainda vívidos em minha memória os tempos em que meus ancestrais, que antecederam aos portugueses, os bravos mouros, antigos habitantes árabes-bérberes do Norte da África, em reluzentes cavalos, senão em camelos, do alto das dunas, logravam divisar quem realmente viria a se somar à família dos nômades e ser fiel amigo ou constituir-se-ia num reles traidor que não conseguiria nem agregar sua própria família, dispersando-a em pontos distantes do planeta, a caminho da pulverização, por falta de integridade e fundamento.

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Antonio Carlos Gaio
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