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RESSENTIMENTO

50 anos atrás, quando tudo aconteceu foi uma catástrofe. Uma traição se abateu sobre minha família por motivo de desavença em negócios, que quase levou meu pai a falecer. Meu pai pensava no futuro como majoritário no empreendimento. Já o bando acionista que se formou, comprometido com os lucros imediatos que minguavam, só pensava no presente. Enquanto eu, no meio dos acontecimentos, sem o menor direito em intervir, e como testemunha ocular da história, para entregar na bandeja o que vos é relatado. O bando iria ser substituído para entrar no lugar novos ares, maior frescor na mentalidade, atualização mais do que necessária nos meios de gestão.
Para dar o exemplo, meu pai resolveu se retirar da empresa sem entrar em confronto e sem lutar por seu status quo, para se entregar ao desenvolvimento de um projeto social, iniciado com a venda de sua parte na sociedade, negociada a preço baixo para facilitar o desmanche de sua vida inteira em favor de se entregar a cuidar do ser humano – um sonho acalentado há muito tempo. A um equívoco constatado, mesmo que tardio, um acerto ainda em tempo para se regenerar. E o que é melhor: sem ressentimento.
Menos para mim. Enquanto meu pai se libertava e se encontrava com seu ser humano, irradiando inteireza e passos firmes, apesar de sua saúde ir em sentido contrário. Até que ele partiu, feliz e realizado, não fora por sentir no filho teimosos sinais de inquietude, frustração e ressentimento com a traição, cujos efeitos nele repercutiram mais.
Com a injustiça que campeia no mundo, o homem mau dormir bem, o escroque continuar a dar sequência à sua vida de realizações, parecendo que o mentiroso que abusa de seus truques nunca será desmascarado, brincando com a verdade, dando a impressão de que o Mal sempre triunfa ao final, no final de tudo.
Porém, vencidos 40 anos, a indignação e a raiva haviam passado. Afinal de contas, o choque da traição poderia ter matado meu pai. Foi por pouco, sua úlcera sangrou, indo parar no hospital. Todavia, pairava ainda um enrosco em meu intestino e desconforto pela possibilidade de entrar em contato com os remanescentes do golpe, embora já tivessem morrido ou perdido de vista ou desapareceram nos desvãos de minha memória.
Transcorridos mais 10 anos, eis que entro em contato com o último remanescente cujo grau de participação eu não tenho nem ideia. Só sei que ele estava lá, no passado, no local em que atos nefastos feriram profundamente a ética entre companheiros que trabalharam juntos por muito tempo – ele ainda muito jovem tal como eu.
Em campos contrários se confrontados com essa época, nos encontramos para uma reunião presencial na rua, ao ar livre, para fugir da contaminação da pandemia. De máscara e mantendo a distância. Para debater problemas de interesse comum de ordem da vizinhança. Pequenos, mas que poderiam tornar-se desproporcionais, caso se mostrassem desarrazoados ou se invadidos pelo ressentimento.
Eis que o ressentimento se extinguiu por completo como num passe de mágica. No lugar, a concórdia, a boa temperança, a paz, a extrema educação, a necessidade de nos querermos entender, de entrar num acordo, de um querer o bem do outro e até de um servir ao outro no afã de sepultar de uma vez por todas o ressentimento que tanto nos fez mal ao corpo e ao espírito.
O ideal é não deixar progredir esse atroz sentimento que só deforma a única e verdadeira obrigação moral do homem, que é a de trabalhar para promover o bem-estar de todos, sendo cada vez mais pródigo e magnânimo.

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Antonio Carlos Gaio
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