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SER REI

O cenário do reino é uma sofisticada cantina da praça em que apagados pai e mãe vibravam com o filho vestido no berro de estilistas que levantam auto-estima. Caprichava no metálico dos óculos escuros e no enrolar o espaguete no garfo para sorvê-lo na colher sem que um pingo do molho respingasse na roupa da grife.
Tem certos pais que se anulam pró-filho aparecer como o mais formoso, vitorioso, digno de admiração, tudo o que não conseguiram ser, e resgatar o orgulho da raça, bem entendido, o perfil de uma geração de antepassados fracassados que não souberam vingar uma família que todo mundo enche a boca para mencionar seus feitos heróicos, suas conquistas materiais e o seu percurso para sair da lama – a pobreza – em que eventualmente nascemos.
É imperioso quebrar o destino, que mais parece uma condenação, perpétua por entre as reencarnações, se não for nessa, vai ser quando, quer me dizer? Tudo, portanto, pelo filho, longa vida ao príncipe herdeiro, o verdadeiro rei que comprova ser o sangue azul vermelho de raiva para ser nobre, nobre de princípios que regulam o código do monarca soberano, que apenas os segue para dar uma aparência de que rei difere de plebeu e a coroa define o melhor. Mas ai de você se cair no mau grado, na insubmissão e no desafio ao que o imperador sente mais medo, medo Dali que vem a morte, daonde provém seu insucesso, pois o imortal julga que as emoções e os sentimentos passam ao largo do cetro, o fio de sua espada sempre o manterá rijo.
Mas é debaixo da terra que a rigidez alcança o auge, sua mente lhe adverte.
Por isso, os pais cedo desistiram desse louco projeto. E projetaram no filho a esperança de resgatar o que tinham de melhor em si. E o que tem de melhor em si é confiar no que você tem a dizer, põe em prática, realiza e, só nessa hora, mostrar, mostrar-se, exibir, ser visto, ser elogiado, se os outros assim o quiserem, numa eleição legítima, porque ao coração cabe o cutelo da rejeição.
A mente é que pensa que pode controlar tudo, que cobre toda a vastidão de nossos desertos sólidos e sós, a vasculhar atos falhos que confessem vacilos, meneios, uma Alice no País das Maravilhas que abre as portas e não consegue entrar em nenhuma, mente megalomaníaca e tacanha que perpetua dinastias políticas e empresariais calcadas em existindo o poder que se reserve a melhor suíte para hospedá-lo na família, o nepotismo é que manda na arte de acolher os outros.
Quando se atinge ao estágio de ser rei sequer se assusta, como os mortais, diante de aparições que representam sinais, símbolos, videntes imagens de que a realeza não enche a barriga e não satisfaz o ego de pais que coroam filhos. Filhos ungidos por pais que se desenvolveram com essa carga vergarão sob o peso da obrigação digna de um Papa, o povo não é mais fiel ao rei quando não uma ficção. Procurarão manter a imagem de que agora o reino está organizado e estável, cresceu a olhos vistos, estimulando ladrões à sua volta criados em hortas privatizadas e terceirizadas. Infeliz restará o filho-rei, pois não lhe foi permitido possuir o Absoluto nem dispor do Paraíso, salvo usufruir meras quimeras orgíacas dignas de um sultão.
Somente a extrema-unção o libertará do pesadelo de ser rei, para começar tudo de novo, plebeu, sem o rei na barriga. Tu és rei?

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Antonio Carlos Gaio
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