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TRAIÇÃO


(Extraído de meu livro “Traidores!”)

A traição varia conforme os costumes avançam e rompem barreiras, dependendo de como se lida com a astúcia e o cinismo. Ao longo dos séculos, o que foi julgado como traição, as gerações seguintes transformaram, muitas vezes, em heroísmo, o que significa sobre um plano histórico e político que não é possível estabelecer em que consiste a traição. A questão é espinhosa e antiga. Tanto que não foi possível estabelecer por lei o que constituiria a ofensa de trair, que ficou conhecida como lesa-pátria. E, como sempre, muito além do plano jurídico, se é posta a questão moral. Um aspecto sobre o qual também a literatura costuma rufar os tambores sempre que aborda traição e moral. Com personagens como Otelo, Macbeth, Madame Bovary e Anna Karenina.
Em todas as culturas, era considerado traidor quem violava o pacto de confiança que une e vincula os membros de uma comunidade, seja familiar, política ou religiosa. Expulsar o traidor era essencial para manter a integridade do grupo. Trair a polis era um gesto execrado e injuriado quando o patrício entrava em acordo com o inimigo para informar os pontos fracos da defesa citadina. Igualmente grave era trair a amizade ou a hospitalidade. Menos grave, trair a mulher, a qual, contudo, não podia se permitir trair o marido.
No período marcado pelas invasões bárbaras ao Império Romano (Alta Idade Média), por exemplo, grave era trair Deus ou a Igreja Católica, enquanto na Baixa Idade Média pior era trair o senhor feudal. Judas Iscariotes se converte em mito na Idade Média como sinônimo de traidor, expelido pela boca de Lucífer. Retratado centenas de vezes por pintores como Giotto, cujo “Beijo de Judas” proliferou na imaginação de todos com a conotação de inimigo da fé e símbolo da traição.
Historicamente são sempre os vencedores que estabelecem quem é considerado traidor ou não. São eles que elaboram as leis que regulamentam a questão. A pena de morte era reservada a quem traía a pátria.
Mas se a pena capital era consuetudinária, nem sempre se chegava a um consenso sobre a definição de traição. Contudo, quem não respeitava os valores da democracia ateniense, era punido apenas com ostracismo, banimento ou exílio decenal. A punição mais cruel estava reservada aos desertores em tempo de guerra: fuzilados pelas costas em sinal de desprezo. Mas havia a lapidação, com a vítima enterrada até o busto sendo apedrejada pela multidão até a morte (Arábia Saudita e países islâmicos). O açoite até a exaustão, quando o condenado entrava numa longa agonia. O esquartejamento executado por quatro cavalos que puxavam os membros superiores e inferiores, um para cada lado, além de castrá-lo e esfolá-lo vivo. A guilhotina, usada nos anos de terror na Revolução Francesa.
Sob o pretexto de defender a Revolução, guilhotinou os seus inimigos, como Luís XVI e toda a sua corte. Robespierre justificava o terror, que “nada mais é do que a justiça rápida, violenta e inexorável, e, portanto, uma expressão da virtude”. Um dos mais radicais, Robespierre tornou-se famoso como político sério e incorruptível na Revolução Francesa, porém alternou para tirano sanguinário. Seu objetivo era eliminar os privilégios da monarquia e do absolutismo, propagando ideias revolucionárias para a época, como o sufrágio universal, eleições diretas, educação gratuita e obrigatória, abolição da escravatura e imposto progressivo segundo a renda.
A perseguição aos inimigos da Revolução veio a descambar para a conspiração e execução na guilhotina de membros do seu próprio partido jacobino, confundindo inimigos e aliados como Danton, o revolucionário que propunha um rumo mais moderado para a revolução. A guilhotina funcionou sem parar até deputados moderados tramarem a prisão de Robespierre, impondo a ele o mesmo destino que havia dado ao rei Luís XVI.
Robespierre foi traído porque exagerou na dose da política de “cabeças rolaram”. Apertou demasiado a corda no pescoço dos aristocratas. Não havia mais como conciliar princípios humanitários que mudaram a face do mundo como liberdade, igualdade e fraternidade com a guilhotina. Ou um ou outro.

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Antonio Carlos Gaio
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