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COMO UM REVOLUCIONÁRIO SE TORNOU UM BURGUÊS

No início, era apenas um grupo de alunos da Universidade de Paris reivindicando o direito de frequentar o dormitório das alunas. Em pouco tempo, a revolta dos estudantes incluiu outras demandas e se transformou num enorme movimento contra o conservadorismo do Estado francês. Foi um período de passeatas, greves e embates com a polícia. Tudo isso viria redundar no mítico Maio de 68, que eternizou slogans libertários como “Seja realista, exija o impossível” e “É proibido proibir”.
Embora nascido em Limoges, em 1940, Roland Castro era filho de imigrantes judeus vindos de Salônica, na Grécia. Por volta dos seus 14 anos, engajou-se contra a guerra da Argélia, como muitos de sua geração contra seu viés colonialista. Logo depois do episódio da fracassada invasão americana na Baía dos Porcos, em abril de 1961, foi a Cuba com amigos e lá permaneceu por dois meses em turismo tipo revolucionário. Visitou as fábricas nacionalizadas e encontrou com Che Guevara, poetas e arquitetos – um choque de ideologia e de emoções que repercutiram em toda sua vida. Na volta, via Estados Unidos, foi detido no aeroporto de Miami e banido dos EUA por 30 anos.
Como estudante da Escola de Belas-Artes de Paris, começou a questionar todo o sistema de ensino e participou de todas as manifestações de rua – havia muitas, todos os dias – e também de ações como a do incêndio na Bolsa de Valores de Paris. Roland Castro foi um dos líderes de Maio de 68. Tudo durou pouco tempo, quatro semanas, até que Charles de Gaulle, presidente da França, disse: “Vamos parar por aqui”.
Todavia, Roland Castro continuou com grupos operários de fábrica, que eram os mais radicais. Criou sua própria organização, Viva a Revolução, e apoiou o Movimento de Liberação das Mulheres e a Frente Homossexual de Ação Revolucionária. Foi quando ele, e muitos outros correligionários, se deram conta da necessidade de voltar a pensar em si e tornar à individualidade. Haviam chegado ao limite do insuportável com tanta agitação política, em que já se discutia a possibilidade de passar para a luta armada.
Roland Castro nunca fora favorável a matar para atingir objetivos políticos e sentiu que estavam ingressando num caminho sem saída, a exemplo dos italianos. Resolveu dissolver sua organização e abandonar os movimentos radicais em 1972, sob pesadas críticas de seus companheiros, que não se conformaram, fazendo-o cair em depressão. Num estado deplorável, começou a fazer análise porque precisava, urgentemente, falar com alguém. Por sete anos foi paciente do célebre psicanalista Jacques Lacan. Recuperado, dedicou-se à arquitetura, não sem antes trabalhar para o governo de François Mitterrand.
Maio de 68 foi sobretudo um sonho muito bonito que possibilitou mudarem os costumes, pais e filhos passarem a dialogar melhor, o homossexualismo não mais ser considerado um drama e o despertar das mulheres. Foi uma revolução cultural e não política. Não há muitos traços de Maio de 68 no pensamento político de hoje.
Foi assim que, de revolucionário, Roland Castro acabou se tornando num burguês que acredita numa revolução ética. Não mais em revolução no sentido de que os que estão embaixo vão derrubar os de cima. A lição que pôde tirar da história das revoluções é que todas elas foram feitas para manter a ordem, embora procurando colocar outra ordem no lugar da antiga. Ele luta para que a sociedade seja menos inspirada no ódio de todos contra todos. Para certos setores da economia, o liberalismo funciona; para outros, é preciso sair da ótica do mercado, como no caso da indústria farmacêutica. É a favor das eleições, já que as manifestações de rua não conseguem resolver impasses entre a sociedade e o poder. Ele acredita na democracia representativa mas acha que ela poderia ser mais horizontal e menos piramidal. E complementa com seu desencanto com a esquerda, que está sem projeto para a sociedade, só pensando no poder.

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Antonio Carlos Gaio
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