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O BÊBADO

No outro dia, eu estava no ônibus, voltando para casa, preparando-me para saltar. E então um bêbado, sorridente, tentou pegar minha cabeça para me dar um beijo na testa. Minha primeira reação foi me afastar. Todos à volta olhavam com cara de assustados. Eu olhei bem pra cara do sujeito. No seu olhar, havia um misto de sorriso, carência e melancolia. Ele sabia que não era querido, mas clamava por atenção.
Descemos no mesmo ponto. Ele foi andando a meu lado e começou a falar aquelas coisas sem nexo de bêbado, mas eu prestei atenção, tentando manter uma distância segura, tentando mostrar, pela minha postura corporal e facial, que eu o ouvia sem lhe abrir muito espaço. Confesso que me senti meio cruel. Por que eu seria melhor do que ele a ponto de me sentir concedendo-lhe um grande favor em ouvi-lo? Era nítido que ele estava amargurado. Com aquele olhar suplicante de que tudo está perdido, mas ainda há esperança, ele me disse: “Se você tem um filho, dá carinho e atenção pra ele, cuida dele, abraça ele”. Ora, isso tem nexo sim!
Eu, que não tenho filho, na mesma hora pensei: esse cara tem um, mas não deu atenção a ele. Culpa-se, afoga as mágoas bebendo e, com isso, se transforma em alguém que não tem a atenção de ninguém. Então finalmente consegue o que quer: se punir por não ter dado atenção ao filho.
Ok, posso estar viajando, mas o fato é que eu continuei andando e ele também, só que agora em calçadas opostas. Lá do outro lado da rua, eu o ouvia falando, mas não distinguia as frases. Então uma coisa estranha aconteceu. Na minha calçada, havia uma turminha de cinco ou seis caras já “mamados”, bebendo cerveja em frente a um “pé-sujo”, sentados em banquinhos de plástico, batucando tambores (muito mal por sinal) e cantando uns sambinhas, quer dizer, tentando cantar. 
Do outro lado, o radar do bêbado disparou, ele abriu um sorriso enorme e atravessou a rua, todo animadinho. Já chegou “chegando”, crente que tinha achado, enfim, seus amigos, seus iguais. Mas não. Um dos bêbados mais bêbados da roda se levantou num rompante e, de cara feia, começou a brigar com o forasteiro. Eu não sei o que foi dito nem feito pois fui embora, mas ainda consegui ver a cara de melancolia do “meu” bêbado por ter sido, mais uma vez, rejeitado. Confesso que fiquei com pena dele. Porém não só dele.
Fiquei com pena da humanidade. Esse simples caso demonstra o quanto não prestamos atenção nos detalhes, o quanto estamos fechados para o novo. Aprendemos aquelas regrinhas quando criança – “Não fale com bêbados” e “Não fale com estranhos” são apenas alguns exemplos – e delas nunca mais nos livramos. Vivemos no automático. Não questionamos nada. Para que se dar ao trabalho de fazer diferente, se arriscar, se seguir sempre nos moldes é muito mais fácil?

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Antonio Carlos Gaio
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