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O COME-QUIETO

O come-quieto é outro personagem de criação exclusiva do gênero masculino, a exemplo do estuprador. Não é que ao sexo feminino seja interditado, mas seria chamada de a mulher que engole espadas, atração no circo dos homens, que logo se encarregariam de colocá-la na boca do povo.
Enquanto o bon-vivant é o folgazão que nasceu para gozar os prazeres da vida, o come-quieto age por trás. O que não necessariamente queira dizer que seja sua preferência sexual. Depende dela. Ele tão-somente se posiciona como um soldado a serviço de satisfazer as interessadas no charme discreto de intercursos. Não é um mero parasita como o bon-vivant que se aproveita de situações, funciona como mantenedor do equilíbrio do meio ambiente, um dique que controla a vazão do sexo tântrico, a fim de impedir o ataque de nervos no uso indiscriminado de macumba para fazer a cabeça de homens que não querem se comprometer.
Se é dado ao homem o direito de viver como bem entender e se entregar ao deleite sexual, pouco se importando com o que vão pensar. O come-quieto orbita em outra esfera, prima pela discrição e esperteza ao não alardear as vantagens e conquistas que obtém. Não necessita arrebatar o sexo oposto para se afirmar e competir. Muito barulho por nada. Não necessita ser objeto do desejo, muito menos dar bandeira de sentir ganas. Basta lamber os beiços depois. Todas as mulheres do mundo é fantasia de Napoleão, homens baixos e complexados, mas se lhe derem chance, não desperdiça. Caráter e ética são contas que põe no fiado, pois o que fazer se a mulher ao lado se apresenta desprevenida, à mercê da própria sorte e plena de baixa auto-estima a ser explorada?
Não cabe equiparar o come-quieto ao galinha, pois esse gosta de soltar penas, lhe apetecendo a fanfarronice. O come-quieto sabe que o galinha não é de nada, lhe falta eficiência e foco – a palavra da moda. Cisca muito, é o dono do galinheiro, mas como todo galo de briga, tem a cara de seus donos que o exploram nas rinhas: de pinguço, já bebeu todas e ainda encontra espaço para uma saideira, se deleitando com mais um galo estripado. Já a fotografia do come-quieto transparece um ectoplasma, um sonso de mil e uma utilidades para atender a carência de damas insatisfeitas com a escassez de homens na praça.
Atento ao biotipo da boa de cama, o come-quieto não consome seu tempo com derrame de charme, sedução e glamour. Fareja a careta que não é chegada à dança das cadeiras. Descarta a alterada que prefere a encenação, de onde menos se espera surge um cão-de-guarda para prevenir que tem dono na parada. Não dá uma de humilde para a bela dona, pois os malefícios da solidão avançam por qualquer território sem discriminar vivalma.
A beleza em excesso ofende. Reconhece na luta pela sobrevivência da mulher mal acabada um processo árduo que descobriu verdadeiras pérolas com que as beldades apenas se enfeitam. Uma tentativa sem fim de vencer resistências que aprofundou sua percepção. Um brilho lapidado no transformar a mera simpatia num suspiro incrédulo diante uma estrela menor, mas nem por isso sem a capacidade rara de surpreender. Se deixassem, iria com muita sede ao pote. Uma inteligência desprovida de sofisticação não hesita, no máximo, faz pouco caso do menosprezo devotado à banalidade. No vestir, não provoca, apenas atiça a curiosidade sobre o mistério que ela esconde. Uma sensualidade oculta que só aflora a quem souber ler o mapa do tesouro. E quem mais podia ser?
O come-quieto e a lenda. Vê, sente, entende, adivinha. Se tímido, parecerá bonito, ao aproximar-se pé ante pé, com as mãos limpas, somente entrando se a parceira lhe der licença. E bico calado na satisfação garantida. Se feio, procurará dissociar a má intenção que o preconceito carrega na aparência, mostrando-se um gentleman em alternância com o servil esperto, um padre na atenção às desprovidas de fé, um pau pra toda obra ao serpentear pelos meandros de círculos que convergem para o bem comum: o amor.
Duvida-se do escrúpulo do bon-vivant, galinha e come-quieto. Ao último lhe aliviam as penas da lei dos bons costumes porquanto é reservado, não se desmancha em palavras, um fino que satisfaz. Haja vista a inveja dos pistoleiros de talento que duvidam da reanimação de mulheres que nada mais esperam. A audácia no fácil trânsito que adquire nesse verdadeiro harém, quase intocado, o faz merecedor de ser visto com outros olhos por sua proposta em nada arrebatadora e inspiradora de fantasias: um convite a pisar em solo firme, respirar ar puro, amenizar a sensação de desconforto e insegurança, em seu refúgio.
Lá fora, amor, o progresso multiplica as queimadas na floresta Amazônica e calcina os relacionamentos.

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Antonio Carlos Gaio
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