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O VAGABUNDO DE PRAIA

Todo santo dia o vagabundo de praia bate o ponto na água do mar ao se benzer, agradecendo a dádiva de Deus por permanecer vivo mais um alvorecer. De raquetes de frescobol na mão a procurar parceiro. Ele nem se abala em constatar se faz sentido o que você diz, o intelectual coleciona fracassos ao pretender-se coerente. Seu ganha-pão? Só Sherlock Holmes pode elucidar tal enigma.
De barba densa a caminho do perfil de um guru, na verdade é mal tratada a espelhar um sonâmbulo infectado pela preguiça de Macunaíma, cuja sunga branca puída perdeu a elasticidade que realçava a intumescência priáprica comum aos jovens e passa a exibir uma maçaroca que se confunde com o escroto do homem ou com o homem escroto, tanto faz.
Preferível assim, de barba escanhoada, a falta de vigor ficaria mais evidente e seria confundido com preso no campo de concentração. Não que ele seja esquelético, mas é que a prisão reflete a falta de objetivos, a visão caolha e o horizonte nublado. De quem prende e se deixa encarcerar, já que a sociedade não inventou coisa melhor que a penitenciária nem a prisão entre quatro de paredes de Sartre.
Nem formoso era o vagabundo de praia. Só que como o adorável vira-lata, todo mundo tem uma vocação para adotar vira-latas, em virtude da alma de vagabundo que grassa no nosso coração piegas e alma sentimentalóide, inspirados no dramalhão mexicano que protagonizamos desde o primeiro canto do galo da madrugada.
Como o vagabundo não conseguiu decifrar seu mistério, perdeu o escrúpulo que lhe faltava e tornou visível o abutre que o habitava, sua versão do médico e o monstro. Ao se alimentar de restos de relacionamento, de mulheres exauridas por afetos que não se materializam ou por fantasias que se desgastam na maresia de oceanos que desenham cartões-postais de amor.
Essas mulheres frustradas e carentes não o desejam, mas o vagabundo se posta como seu solícito servo desde o parafuso que não se encaixa, como encontrar a rua Pandiá Calógeras, até acumular as funções de ouvidor-geral e consultório sentimental.
Ele as serve apenas como entreposto de reabastecimento. Se aproxima com um papo de quem não quer nada, inspirando confiança, bondade e companheirismo. Jamais irá pressioná-la para que se resolva sobre se está disposta a que penetre em sua intimidade. O tempo passa, ela acabará cedendo para não perder o amigo e voltar a ficar só. Ao fazer as vezes de Jeremias, o Bom, transforma o amor em amizade, com pitadas de sexo, de maneira a não se envolver. A duração do “vamos sair juntos” é curta; apagam a lousa como se nada tivesse acontecido e se tornam apenas bons amigos.
Sejamos civilizados, atração sexual não é como uma história que precisa ter início, meio e fim. A estima recíproca pode gerar um ambiente de camaradagem. Se desvinculado do aviltante sentimento de posse e ciúme. Quem acredita nisso? Elas, as mulheres do vagabundo, por uma questão de gratidão. Porque ele estava lá quando precisaram de um ombro amigo.
Louvado seja o vagabundo que recebe o comunicado de sua dispensa sem qualquer gesto de desagrado! O fato de elas não o quererem mais não lhe causa nenhum embaraço, visto que já obteve tudo o que desejava: o banquete. Ao contrário, respira de alívio porque é mais uma que não precisa se envolver.
Julga-se com um senso de imaginação que não conjuga com fidelidade, portanto, é irrelevante ela não considerá-lo como um igual, a vagina é o seu limite e o escalpelo a ser conquistado a glória, para o vagabundo que já perdeu todas as esperanças no amor. De sequer construir um castelo, muito menos um castelo de areia a quatro mãos com sua filhinha. Esse castelo, ele empurra para a desorientada de plantão, explorando a maternidade latente tanto quanto o casanova tira proveito de corações piegas, o verdadeiro orgasmo subtraído.
E ai de quem recebeu uma herança malandra, botou as mãos numa dívida impagável ou fez jus a reforço de caixa culposo de ex-marido. Ele morde que nem um tubarão ou uma hiena que não rejeita vísceras, são ratos que roem e corroem, agora que descobrimos possuir a mesma cadeia de genomas.
O vagabundo é o próprio ator que faz figuração e compõe o cenário numa roda de mulheres em meio à celebração de uma festa, para que elas não se sintam como mercadorias numa vitrine. Vive o duplo papel de se fingir de homem e funcionar como isca, a fim de atrair os verdadeiros interessados no sexo oposto.
Atribuir fracasso ao vagabundo de praia é temerário, pois a decadência se espraia de tal forma que não mais reparamos sua onipresença incontestável no direito de ir-e-vir, nos objetos de consumo, nas preferências sexuais, no progressivo acasalamento com uma ética coagida a suprir necessidades com as quais Deus não nos capacitou. A qualquer preço.
Resta sermos felizes nesse casamento em ambiente que perdeu o respeito. Segundo o “Estatuto da Gafieira”, Billy Blanco recomenda “moço, olha o vexame, o ambiente exige respeito, dance a noite inteira, mas dance direito”.

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Antonio Carlos Gaio
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