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ESPELHOS

Desde os tempos dos Luíses, em que se cobriu o interior do Palácio de Versailles de espelhos a reproduzir o infinito de imagens da aristocracia, cuja marca patenteou a arrogância, a vaidade, o orgulho e o egocentrismo de uma era absolutista, que herdeiros e nostálgicos dessa mentalidade não se manifestavam com tanta clareza.
É bem verdade que o período inquisitorial, o enclausuramento protestante e o recato da era vitoriana contribuíram para exilar os espelhos em bordéis e fazer a alegria de senhores burgueses, ao lado de prostitutas, gozarem as duas faces da moeda chamada moral. Em resposta à repressão da libido, estenderam o alcance dos espelhos aos tetos dos quartos para projetar até onde vai a imaginação no delírio do sexo.
Não se poderia imaginar que os espelhos se expandiriam do restrito ambiente para inundarem academias de ginástica exaltando as linhas do corpo, tornando nítidas sutis variações no padrão da sexualidade. Mediante o álibi de cuidar da saúde, de melhorar a auto-estima através da estética, do combate sem trégua ao mais temível inimigo da mulher: perder as formas. E à conseqüente entrega dos pontos aos ex que tentam te secar para provar que estão certos. O que dá margem a dividir as mulheres nas seguintes categorias por idade:
Até 13: ai, e o tempo que não passa, quanto mais terei que esperar?
Até 20: as intocáveis. A preocupação é no aprimoramento para se tornar uma musa. Ou condicioná-la para a maratona do amor, seus revezamentos, saltos, obstáculos, o fôlego necessário para chegar inteira ao fim da corrida. Evitando terminar aos cacos, a pretensiosa ambição.
Até 30: testar o modelo e seus fundamentos em relacionamentos com objetivos maiores que justifiquem o investimento realizado na cultura do corpo. Exige-se uma certa presteza, pois o tempo urge. Com o leque de opções que cada vez mais se abre para se consumir seres e objetos, é melhor enfrentar o crônico defeito do “não saber o que quer, para não se arrepender da escolha feita”.
Até 35: há que tomar uma decisão, você ainda está com tudo em cima e já compreendeu que com o futuro não se brinca. Mas como descobrir uma cara-metade com quem dividir tudo que não te entende, desconfia e não dá conta? Pior, uma lenda como Papai Noel. Só resta arcar com o ônus do saque e não se ressentir com um gosto amargo de ser.
No entorno de 40: não culpe os homens pela insatisfação nascida do óvulo fecundado. Aprenda a driblar a angústia em função do que está por vir. O velho pode ser o novo. Nem tudo está perdido, existem campos por serem explorados. Para que competir se você ainda precisa dele ao seu lado? Reconhecida a carência, faça o que nunca fez antes porque não encontrou o homem certo. Ao menos tirará as dúvidas.
No entorno de 50: não caia no desvario de competir com ninfetas, principalmente se forem suas filhas. A longo prazo, é derrota certa. Cuidado para não perder a noção em tentar se classificar como patricinha ou mulher fatal. Saia curta é uma, mas não abuse na franja do cabelo. Acredite mais em si, perigoso botar o olho no marido de sua amiga.
No entorno de 60: acautele-se para não entrar numa espiral ao notar que está difícil segurar a onda, manter o peito erguido numa postura ereta que denuncie não se abater com os contratempos do amor. Tal como não acreditar mais nele, isso é coisa de gente inocente que não tem mais nada para fazer.
No entorno de 70: já percebeu que agora pode andar mais lento nas esteiras, a velocidade não leva a nada, radicalizar é uma questão de afirmação. Descobriu que no ciúme há mais amor-próprio do que amor verdadeiro.
Nos cafundós de 80 e 90: nos ossos e nas articulações, as conseqüências funestas do sedentarismo, a preguiça, irmã da inércia, a manteve distante do nomadismo das relações.
Os espelhos não sabem fazer a leitura do virtual de seu corpo e não expõem as vísceras do buraco que está se metendo ou afundando. Era preciso romper com a maldição de Narciso, refletir sua imagem sem que haja necessidade de interpretá-la tal o despropósito de absurdos que exibimos no desempenho cotidiano, em atitudes e pensamentos que ocultamos de confessor, psicanalista ou mãe-de-santo, com as quais não nos tocamos, até o circo pegar fogo. As aparências procuram enganar, a ilusão de ótica amenizar, somos semelhantes na hipocrisia, cabe reinventar o espelho. A roda já está em primeiro na lista para virar o mundo pelo avesso.

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Antonio Carlos Gaio
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