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O LEGADO DA ESCROTIDÃO

O marido fica incomodado quando a mulher sai de sua sombra e começa a ser enxergada pelos que freqüentam o casal. Quando cresce em sua profissão e começa a ser ouvida pelos entendidos na matéria. Quando o telefone toca repetidas vezes e ela é requisitada. Quando se desvencilha das pendências domésticas com invejável eficiência. Deixando-o estático, atônito e abobalhado com a autonomia conquistada – ele não consegue dar esse salto qualitativo. Finge não sentir inveja. Mas não respeita o trabalho dela nem a sua vida, muito menos seus interesses. Embora se declare compromissado em compartilhar a intimidade para ganhar sua confiança.
Ele é do tipo que se acha mais inteligente do que o resto da humanidade. Gosta sempre de dar a última palavra. Supervisiona a produção escolar dos filhos para desconstruir redações, inverter o sentido de monografias e adulterar o estilo. Uma prepotência intelectual que divide os filhos: o mais velho fica do lado do pai e o imita, enquanto o caçula prefere continuar alinhado com a mãe. Ele duvida da psicanálise porque não existe ninguém à altura de analisar sua cabeça privilegiada. Somente acata a orientação dos professores dos filhos quando o caçula suja de sêmen os livros da biblioteca na impossibilidade de fazê-lo na cara do pai. Não respeita nem mesmo o primogênito, que o vê como um guru, ao enfiar na cabeça dele que pode conseguir outra namoradinha melhor do que a atual. Ilustrando com o próprio exemplo: casou muito jovem e não pôde aproveitar a vida. O resultado é ensinar o filho a esnobar as garotas, até para que ele possa explorar seu voyeurismo.
Quando a mulher descobre que acumulou frustrações em troca da dedicação a um marido farsante, acobertado por um casamento de vinte anos, se entrega a romances extraconjugais aos quais nunca se permitiu por uma questão de lealdade. Até culminar na separação, quando ele a acusará, perante os filhos, de ser a responsável pela desagregação de toda a família. Diante da aliança entre marido e primogênito, e sem o caçula entender que mãe tem direito ao prazer, ela resolve enfrentar as feras e correr o risco de ser tachada de descontrolada, devassa e pôr o lar no caminho do bordel.
Ao cabo de uma guerra surda, ela se liberta desse processo de tortura mental em que ele não tinha o menor pudor em sabotar o crescimento pessoal dela. Resta a ele amargar o pão que o diabo amassou ao revelar-se sem o menor apetite para explorar o que há de mais abundante: a energia do amor. Se acostumara àquela situação em que era o rei, trazia-lhe conforto dispor de seus súditos.Derrotado, propõe à mulher voltar a viver junto e se oferece para lavar a louça, fazer o jantar, buscar as crianças no colégio, enfim, se empenhar mais. Só fala em executar tarefas domésticas, mas não em mudar sua forma de ser. Adota uma postura servil, finge humildade, a própria vítima das circunstâncias.
– Você quer se esconder dentro desse casamento. Mas não adianta, nenhuma mulher pode te salvar.
Bendito pai, que deixa para os filhos o legado de sua escrotidão.

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Antonio Carlos Gaio
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