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Putaria fazia sua avó

Ontem fiz uma das coisas que mais amo na vida: dançar. Dancei no baile de zouk. Como eu não ia há tempos, fui recebida com muito carinho por gente que me pareceu estar com saudades. Até que um, dois, pra ser exata, três desses saudosos disseram sobre mim para os amigos que não me conhecem: “Ela é escritora. Manda muito bem. Só escreve putaria.” Houve variações, mas a palavra “putaria” foi unanimidade: foi expressamente citada nos três casos. No terceiro, foi um amigo me apresentando à namorada. Para ela, me dei ao trabalho de explicar que escrevo sobre tudo, mas que escolho falar os eróticos nos eventos porque são os mais populares, mas com os outros dois, nem ”tchum”, só ri. Fazer o quê? Há muito me pergunto sobre o que é putaria. Na verdade, sempre que fico solteira, porque tenho sérias dificuldades pra gostar do primeiro que aparece e emendar um namoro com outro. Prefiro ficar sozinha a me agarrar a qualquer um que queira compromisso, mas que não me seduz. E não é qualquer um que me seduz, porque não sou qualquer uma. E quando digo seduzir, falo por inteiro, não só de sexo. Mas tenho compromisso sim com meu prazer e com certos limites. Não fico com homem casado ou comprometido, não traio quando namoro, e, geralmente, quando dou um beijo em alguém, é porque estou aberta a me envolver por completo e não pela metade. Não só por sexo. Só que é constante, no meio do caminho, eu perceber muito rapidamente que é só isso que eles querem: sexo. Não acho errado, mas quero mais. Aí acaba que vou colecionando casos de “ex-ficantes”, porque sim, eu sinto falta de ter alguém, então tento, mas rapidamente desisto. Tenho cada vez menos paciência e cada vez mais preguiça.
Escrevo sobre isso. E muito. Às vezes até me preocupo se estou sendo repetitiva, só tecendo poemas sobre a falta de amor nos relacionamentos atuais. E, de vez em quando, escrevo poemas sobre o prazer do toque, sobre o desejo, beijo, sobre o sexo. Sim, por que não? Escrevo tanto sobre o amor que me falta, por que também não compor sobre o tesão que me assalta? Porque sim, tesão é invasivo, agressivo. Dá na gente mesmo que a gente não queira. Mesmo que não se tenha alguém para amar. Isso é “putaria”? Sinceramente, não acho. É humano. Faz parte da natureza.
Meu conceito de putaria é outro. Putaria é negativo, me remete a coisa ruim. Fazer arte sobre uma coisa tão boa, que faz parte da vida que, aliás, gera vida, não, não é putaria. Sexo gera vida, como pode ser putaria? Mas aí, ingênua seria eu se me esquecesse do machismo, do conservadorismo e da hipocrisia, a irritante hipocrisia. Então, diante desses caras que se referem ao que escrevo como putaria, eu simplesmente respiro fundo e sorrio. E penso: perdoe-os, Mariana, perdoe-os. Não vale a pena discutir com quem tá tão impregnado pelo machismo, pela ignorância, pelo atraso. Eles não fazem por mal.
Como no caso da Boticário. Falando sobre a polêmica do anúncio que trata a homossexualidade como algo absolutamente normal com uma manicure, perguntei o que ela achava e ela me disse o que ela diz pra filha dela: “Errado é, filha, está na Bíblia, mas…” Eu a interrompi e perguntei: “E se sua filha fosse lésbica?” Ao que ela respondeu que “é errado”, “que o corpo do homem foi feito pro da mulher”, que “nenhuma mãe quer isso prum filho”, mas que ela respeitaria a “decisão” da filha. Sinceramente? Vou roubar a expressão dela pra dizer o que penso disso tudo. “Errado é”, na verdade, errada sou, mas não tenho paciência nem vontade de perder meu tempo tentando mostrar que nenhuma forma de amor é errada e que putaria fazia sua avó. E ainda que essa sociedade preconceituosa e hipócrita me irrita. Resumo meu cansaço e opto por não discutir e preservar minha paz quando lembro o que eu e minha mãe falamos sobre isso tudo: Eles (os hipócritas, machistas, preconceituosos, babacas, etc – são muitos. Eles são muitos. Infelizmente.
(Mariana Valle)

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Antonio Carlos Gaio
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