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CADEIRA VAZIA

Rio de Janeiro, 7 de junho de 2015.
Eu entrara numa loja de antiguidades para comprar, na linguagem deles, um sérre-livre, que ampararia os livros de minha estante e, ao mesmo tempo, funcionaria como peça de adorno em minha sala de trabalho. Embora neófito em antiguidade, não me vi privado de apreciar a atraente loja, que chamava a atenção pelo bom gosto do conjunto de suas peças.
Eu me encontrava especialmente sensível por estar acometido de uma doença de pele (fogo selvagem), que me encheu o corpo de queimaduras que espontaneamente brotaram ao despertar de um certo dia aziago, três meses depois de ter sido operado de um câncer no intestino delgado. Percebi uma tristeza incomum no rosto de Paulo, o dono do antiquário, que logo compartilhou comigo a partida inesperada de seu irmão gêmeo para outra vida, às vésperas de uma viagem que ambos realizariam à Croácia.
Fui de todo ouvidos, como espiritualista que sou e estudioso de casos à semelhança de Paulo, de modo a examinar, num livro em gestação, como se processa e repercute em entes queridos o abandono de nosso convívio, rumo ao Plano Espiritual, de forma surpreendente e sem estarmos prevenidos, com o objetivo de informar ao leitor que ele não restou sozinho.
– Me permita dizer, com todo o respeito, meu caro Paulo. Seu irmão Pedro se foi, mas sempre estará presente ao seu lado. Com tantas afinidades em comum a ponto de vocês almoçarem, jantarem e sempre viajarem juntos, essa irmandade tem que ser sempre celebrada e nunca lastimada a sua perda, porque senão prejudica sua evolução no meio espiritual.
Em posterior carta, lhe sugeri: por que não instituir um dia no mês em que porá à mesa prato e talheres para ele, como se o estivesse esperando para jantar com você? Até que um dia a dor diminua, não sendo mais necessário o ritual, quando aí você, Paulo, já será outra pessoa para entender melhor o porquê de tudo isso ter ocorrido de forma absurdamente abrupta.
A carta passou pelas mãos de sua mãe, já com 96 anos, e assim chegar ao meu conhecimento uma comovente história. A avó de Paulo havia se separado de seu avô tempos depois que se mudaram para Nova York. Triste com a separação, seu avô voltou, então, para o Rio Grande do Sul, sua terra natal, com as filhas do casal em seu poder. E nunca mais se casou, fechando-se em copas, denotando para suas filhas, sem nada dizer, que sua mãe se separara porque provavelmente se apaixonara por outro homem e que, portanto, não podia mais continuar a viver com ele. A avó tampouco se interessou, nunca mais, pelo destino de suas filhas. Se não fora por seu irmão Pedro insistir em procurar por sua avó, décadas depois em Nova York.
A pista era a casa que seu avô construíra em Nova York, igualzinha a que tinham no Rio Grande do Sul. Mas a avó já havia saído da casa que o avô idealizou para ambos, pensando na felicidade do casal – imagine se ela se deixaria ficar emparedada pelas lembranças.
Pedro teve que recorrer à embaixatriz do Brasil para que a nova proprietária informasse o endereço da antiga empregada que servira a ambas, e daí, onde a avó atualmente residia. Ainda assim, a avó não quis receber seu neto, se não fora pela vizinha que intercedeu, ao constatar que a avó nunca a informara de que havia sido casada no Brasil. Ao se conhecerem, premido pelo impacto da emoção do encontro, considerado impossível de se realizar, o neto nem percebeu que sua mãe era igualzinha à sua avó e que, se fechasse os olhos, a semelhança de voz decerto impressionava. Tampouco sabia que ela enviuvara do segundo casamento e que tinha uma filha americana, que logo se interessou em conhecer sua irmã, a mãe de Paulo e Pedro, e manter contato.
A avó morreu sem querer rever sua filha, que largou ainda pequena e, nesse crucial momento, mãe de Paulo e Pedro. Nem por isso, Pedro, Paulo e sua mãe deixaram de promover um jantar em restaurante de Nova York, que repetiam periodicamente, reservando uma cadeira vazia para homenagear a avó – em espírito, ela não poderia recusar.
Eis que ocorre o milagre da conexão por eu ter sugerido em carta, sem nada saber, que Paulo instituísse um dia no mês, no qual poria à mesa prato e talheres para seu falecido irmão, como se o estivesse aguardando para jantar. Até chegar a hora em que a dor pela brusca separação diminuísse sua intensidade, não sendo mais necessário o compromisso, quando aí você já será uma outra alma num novo patamar de conhecimento para compreender a desaparição súbita, que a seus olhos lhe pareceu imposta, injusta, dura, cruel, pelo fato da morte não mandar aviso. Julgando-se merecedor de maiores esclarecimentos até para aceitar a morte. Quando a Morte é irreversível e não costuma dar satisfação de seus atos.
Em suma, a cadeira vazia que eu propus a Paulo para matar as saudades do irmão durante um jantar, ele e sua família já haviam tido a mesma ideia para preservar a memória da avó, sem ressentimento ou mágoa por ela lhes haver negado. É preciso tempo para amadurecer algo que não desejaríamos que acontecesse para sobrevir uma resposta ou uma explicação ou um fato ou alento maior que nos reerga.

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Antonio Carlos Gaio
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