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O GOSTO AMARGO DA DERROTA OLÍMPICA

Andar desperto de madrugada com a cara maldormida e rezar uma Ave-Maria às 6 da manhã enrolado numa colcha de cores verde-amarelo, que berram para nos retirar da condição de dispersivo e de curió que só canta na mão do dono, não evitou a morte súbita do futebol brasileiro e o adeus à única medalha de ouro que não possuímos. Ao levarmos uma piaba do Camarões, que se aproveitou do nosso estilo europeizante inspirado no corte de ternos, ao melhor feitio de motorista de madame, que travestem tecnicistas em líderes sem o menor preparo emocional e ético. Nem bem uma geração desponta e já nos lega a marca da vergonha e humilhação, afinal de contas, sair vencido por  9 camaroneses em campo contra 11 bedéis é como se eu tivesse completado o time da rua com o vovô e vovó queridos e arrasasse com a seleção do bairro. Não fazemos mais a diferença, não tem mais time bobo, entressafra, o nivelamento ao zé-mané, e foi-se o crédito na praça e a fé pública. Ao não se descobrir o epicentro do ataque epiléptico que desde a Copa da França ataca os nossos ronaldinhos e a nossa cultura esportiva, convida-se para entrar, com todas as deferências e reverências, a derrota. Que é fiel e desobstrui canais para dizer o que vem às ventas, delírios e pesadelos, que adquirem forma, som e letras, destilando a derrota com palavras de poucos amigos, trajando um idiota possesso e cantando o hino de seu clube com lágrimas de crocodilo. É o Zé Ninguém, torcedor furioso quem vos fala, incapaz de respeitar o coirmão, o rival inimigo a quem odeia, cujo prazer oscila entre anunciar sua morte e achincalhar o que você tem de mais sagrado:         
“Nem bem as Olimpíadas começaram, a cearense Tita Tavares dormiu demais e chegou tarde à semifinal do Mundial de Surfe realizado em Anglet, na França, dando a vitória de mão beijada à australiana Layne Beachley, o que implicou não só em perder a oportunidade de alcançar a sua primeira final como também de disputar o título mundial neste ano.”
Xuxa se deixou comandar pela magia de seus belos olhos e caiu do cavalo, escorregando na escada e machucando o tornozelo, nos derrotando por WO ao deixar sua raia vazia nos 100 metros, impedindo que Ed Bala ocupasse seu lugar. O “catarina” se iludiu com a mídia, se encantou com as susanas werners que vieram para tomar conta do jornalismo esportivo, não se contaminou com a discriminação odiosa dos atletas olímpicos em relação aos futebolistas, e entrou noite a dentro.
Depois de liderar no ranking mundial das duplas de vôlei que sarandeiam pelo circuito arenoso, o rei das praias Loyola pagou o maior mico ao colher fracassos em duas olimpíadas, transparecendo um amarelo diferente do ouro ao arestar uma recepção de saque digna de um iniciante, golpes de vista falhos, cortando de olhos fechados. Nem Paulo Coelho, o mestre dos magos, adivinharia que a febre amarela iria atacar o vôlei, tirando o ouro da boca das duplas Shelda/Adriana e Zé Marco/Ricardo, além de a Argentina nos obrigar a baixar a cabeça despachando mais cedo o vôlei masculino.   
Edinanci Silva passou pela maior invasão a que um ser humano pode se submeter, acusada de ser homem o teste visual dirimiu a dúvida, o que a levou a se refugiar nos crentes para suportar o tranco. Nem sempre Deus ajuda no ato da conversão, teve uma atuação apagada e se desclassificou a judoca paraibana.
E logo nessas olimpíadas que Ed Bala e Carlos Honorato se tornaram os primeiros negros brasileiros a conquistarem uma medalha olímpica. Mas a maior glória do judoca, que era reserva e só viajou para a Austrália porque o titular se contundiu, foi o ippon de 43 segundos que  fraturou o cotovelo do japonês Yoshida, atual campeão mundial. Emocionando o torcedor Guga, que saiu de mãos abanando, mas considerou gratificante sua experiência em Sidney, divertindo-se a valer.
Os psiquiatras não mudam o disco, o gosto amargo da derrota provém da falta de equilíbrio emocional. O povo não entende isso e sacramenta o amarelou, a antiga tremedeira, o dar um branco que mancha a carreira, e o verde-amarelo vira pano de chão. Quanto aos atletas, não se consideram à altura do pódio, na hora H os braços encurtam, as pernas encolhem e as mãos deixam escapar as poucas oportunidades que a vida oferece para meia-dúzia de eleitos.  
Será o benedito, será porque dois bicudos não se beijam é inevitável a derrota? Romário mandou demitir outra vez o técnico Luxemburgo, a primeira aconteceu no Flamengo. Derrotas expressivas no segundo escalão recomendavam: Coréia do Sul, México, Paraguai, Chile, África do Sul, Camarões. Se o Rio de Janeiro já foi considerado o Recreio dos Bandeirantes, o Brasil é, agora, a casa-da-mãe-joana dos africanos. Um rastro de destruição que expõe às vísceras o coveiro Luxemburgo matando o espírito do futebol brasileiro. A falta de auto-estima que levava o jogador a amarelar nos saudosos tempos de Nelson Rodrigues, onde o futebol era uma questão de arte, é a mesma falta de auto-estima que leva o Wanderley a se valorizar em excesso, onde o futebol é uma questão de mercado, aviltando pessoas comuns que passam a se expressar no idioma lazaronês, convertendo-se em mequetrefes. É a mesma falha nos caracteres que fez regurgitar o amarelão que atacou Rivaldo em Atlanta, Ronaldinho na França, Alex e Ronaldinho em Sidney. Sobra habilidade, valem milhões de dólares, mas merecem uma psicóloga melhor do que a dita cuja escolhida por Wanderley.
Se houvesse uma guerra, não seriam artilheiros nos canhões e morteiros, não lançariam granadas, e comeriam fogo da armada inimiga. Coelhos que não sairiam da toca, entrincheirados no medo e na falta de audácia que irá marcar essa geração caricaturada pela falta de gana, marrocos, marfim e camarões, que pulsava no âmago dos talentosos brasileiros que Luxemburgo garroteou, retirou-lhe o brilho, de estrelas que se acostumaram com a nota de 1 real acenada pela torcida em ocasiões inesquecíveis, sem se dar conta de que o título de melhor do mundo não mais nos cai bem, porque nos tornamos coniventes com a política rasteira, a hipocrisia reinante entre egos na soberba, os demasiados não-me-toques no contato entre feras feridas, as excessivas tabelinhas com a mídia, o mercenarismo de quem levava 2 horas para chegar ao treino, de tão longe que se encontrava, e ofender quem leva 2 horas para chegar ao trabalho.
Que se decrete a prisão preventiva de Wanderley, não por sonegação de impostos, aí teriam que começar por quem está acima dele, e sim para que não volte a manipular jogadores, mídia e torcedores com sua inteligência privilegiada que só não conseguiu o antídoto contra a linha burra de impedimento. Que os jogadores cujos ganhos ultrapassaram os 6 dígitos aprendam a chorar com Shelda depois de derrotas, sem se preocupar com a imagem de fraco veiculada na TV. Afinal de contas, futebol não é mais coisa só pra homem.”
Belo Horizonte é o cenário ideal para se compreender melhor como se processa a insatisfação com as derrotas. Como a do rejeitado Malisson que jogou ácido em Gisele porque ela não quis reconsiderar e se retirou da competição. Como a do soldado da Aeronáutica, de 22 anos, que matou a ex-namorada dentro da loja onde ela trabalhava. No último passeio do taxista com a mulher amada que o abandonou, o corpo dela repousava morto no porta-malas. Últimos berros de dor, a tradicional família mineira cede espaço para a evolução que se verifica a cada olimpíada. A evolução da beleza do corpo do homem, sem que seja rotulado de mulher, a expansão da alma feminina, visível na força e graça nos cavalos, barras e argolas da ginástica, a sexualidade transpira e se afirma nas maratonas, destensiona o rumo que irá dar ao seu sexo.
Os gregos devem estar felizes, finalmente começamos a entendê-los.

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Antonio Carlos Gaio
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